terça-feira, 22 de junho de 2010

Viagem

“Nunca se sabe o que uma viagem pode trazer ao íntimo do coração. Como se o tempo de repente dum outro modo fluísse, ou mesmo a qualidade da sua hora mudasse, e uma coisa perdida aparecesse, uma dúvida se quebra, um amor acaba, e outro que nunca se tinha imaginado, de repente, nasce. Objectos que sempre tivemos por separados atam as pontas, imagens que bóiam nas nossas vidas sem ligação juntam-se e criam uma nova sequência com sentido. Outras vezes a clarividência da distância torna-se tão luminosa que se vê o fim do fim, e deseja-se regressar, ainda que não seja a lugar nenhum. (...) “



Lidia Jorge in "Mentalista"

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Silencio

O livro tinha uns contornos marcados a preto, uns quadrados que o passado me relembra como se os esboçasse agora. Cheguei a fazer desenhos e a ter um quadro, desenhado de uma loucura transparente, nesse tempo. Avisou-me baixinho que o perceberia, da mesma forma, que por qualquer motivo, já o tinha visto na perspicácia de um laço que nos sustenta à distancia. 

Deixei de acreditar na força da identificação, pelo lugar sombrio onde é falada, como uma orquestra banal de instrumentos renovados, pombos anunciados e vazios. Vejo-a antes no silencio decidido, no direito à vergonha e orgulho, no lamber baixinho das feridas que corroem por dentro, se saradas de brilho e mentira, são mais uma ilusão, apenas.

Acredito no silencio falado, nas horas que passamos, rodeados de livros e, ambos sabemos, ambas falamos com os mesmos olhos, de um brilho individualista, conquistado, magoado e orgulhosamente não dito. Semeamos os gestos desnivelados, um esgar envergonhado pela ignorância, jogamos sinais ao vento que passa, nos parcos momentos em que nos falta força. Acredito na ajuda do silencio, distei nela o espaço entre viver e entender o que por dentro me falava há tanto tempo, acredito no tempo consolidado.
As palavras fogem-me da vontade, desagarro-me.  Desejo o plancton que brilha, anseio silencio por ora. Aquela cor sai-me da garganta em sopros que não palavras, nem sinais de fumo, são um respirar que não pede licença, é uma essencia qualquer, a minha alma que sente.

Este livro, é como um compromisso, uma aria de orgulho, um testemunho que vale mil palavras. Li nele as viagens, os atrasos, o tempo é agora, nos olhos baços que escrevo, é a saudade gritante nos contornos da terra, é um sombra brilhante que me lembra cada sonho, e eu sonho ainda, sonharei sempre.

quinta-feira, 4 de março de 2010


"É no encerrar-se deste modo, no sentir-se viver essa vida de ideal, de pureza, de renúncia, no contemplar cada vez mais alto e mais brilhante o fogo que nos animou nos anos de aprendizagem, que reside precisamente a felicidade; não se trata de uma realização, mas de uma perpétua virtualidade, não de uma chegada, mas de uma carreira eterna; era parente de Stendhal aquele que escreveu querer antes o problema do que a verdade; ao passo que as almas vulgares têm a felicidade como uma tela pintada e só o representado difere para cada uma, a alma enérgica considera-a uma tela em branco que fosse consciente da sua possibilidade de mil paisagens."

Agostinho da Silva

sábado, 20 de fevereiro de 2010

サンドラ

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Destruo, 
na demência de um alcance tremendo.
Destruo-me, apenas.
Menos o que por dentro
me existe.

Obra vergonhosa a minha
Vulgar diria
Sou vilã, puta fina
Antes ladra e concubina
Carapaça somente
de alma demente e perdida.

Amiga não
Sou traição e mentira
Sou morte sem vida
Sou mãe sem saber
Gerei mar gélido
maré vazia
Fui má, mais que rainha

Sou afinal poeira seca
Içada por força de um passo
Nem fui ontem nem agora
Fui maré negra que passa

Fui face cortada
face oculta
Fui a versão de culpa
Fui corpo somente
Fui vista, visitada
Ouvida de nada
que palavras fizeram colheita
da mentira calculada

Sou fantoche
Fui palhaça
Carapaça infundada
não sou mais que vaca de estrada
com rosto de mulher vaga.

Sou o que resta afinal
Restolho de desventura
Cinza clara, nova lua
Sou o veneno que cura
Cobra arisca, 
gargalhada
verme de albergue na estrada
ao som de qualquer vento que passe.

Sou mentira
Nada mais que isso
As palavras, esgotei-as de sentido, alucinada e à beira de um abismo que mal me cega, dou comigo em silencio repleto de uma loucura ainda mais estranha.
Ficam a meio pensamentos, fica talhada razão, como se um tambor ribombasse no meu peito, devorador de orquestras de palavras que me invadiram por dentro. A minha necessidade de escrever é como a amarra que seguro nas mãos. Tremem-me as mãos, treme-me a voz, a minha mente não me conhece, e eu conheço cada veneno que bebo, um atrás do outro, consciente, demente.
Foi tudo, eu acho que foi tudo, há 8 anos, eu estava sentada numa sala qualquer e tentava encontrar em mim, pontos cardeais de referencia, procurava a minha essência, que sabia que tinha, hoje, da minha boca sairam duas palavras apenas, pensadas, temidas, 
Acordei e quis voltar a dormir, pensei e pedi à minha mente que me deixasse estar. E estas palavras que escrevo, saem em silabas, e eu nunca pensei chegar aqui.
Se pintasse uma imagem agora, seria somente de um vulto vulgar, numa madrugada qualquer, num areal deserto de gente, juntando destroços sublimes e pertences poucos, seria um contorno ténue de tudo o que construi e destrui, seria um rasgo de dentro e uma desordem tremenda.
Não me julguei capaz de chegar aqui.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Existes porque te sinto há muito, és a extensão que não me foi permitida mas que tem vida, cá dentro, é contigo que falo nas noites mais minhas, é a ti que embalo despida, é contigo que danço todos os dias e é o teu afago que sinto, que choro, que me dá força, de esperança, de um dia, um dia, nos vermos, nos tocarmos e eu dar-te tudo o que guardo, de ti, de mim, de nós duas.
Camila, é assim que te chamas, és loura, morena, de nariz empinado, olhos grandes, és linda, serás sempre, de mãos pequeninas como eu tenho, mãos sujas de tocar em tudo, e perguntas, sede de entender como eu tive no primeiro dia em que tudo era grande e pequeno e demasiadamente estranho.
Hoje, sentei-me num pedaço de serra, onde já te levei, chorei como não sabia ser ainda capaz, chorei por mim, pelos meus pecados, por uma dor que é demais, obra minha, por cada pedaço de mim, gemer agora. Demencia que construi numa encruzilhada louca entre sentido e razão.
Sabes, das minha mãos, já não me lembrava que saisse tanta destruição
Mas estou ferida por dentro, sinto-me suja e louca, sinto-me tão longe de mim, tão rouca, tão louca... Já não louca do riso, louca de uma dor que me sufoca, que me desfigura e reveste de vestes negras e porcas, de droga.
E num segundo gritei por dentro, ajuda, abracei-te com toda a força, com o amor que tenho cá dentro, pedi a quem fosse que me olhasse, ajuda, que não lembro, não me lembro nem do que sou nem do que me move, a minha mente ribomba do efeito de uma noite desperta, sem palavras que a descrevam, escura , de uma claridade que ofusca, de uma demencia desperta, de amar sem perdão.
Choro a destruição, choro as cinzas, choro tudo o que tenho e não conheço agora.
Escrever é deixar-me, nos delirios que a minha ordem me tira e nas certezas que o caos me oferenda.
Transporto-me para aqui, por fuga, por invasão, pela voz rouca que me corta e que eu não quero, nunca, nunca.
Faço-o por mim, por todas as coisas, porque em algum sitio depositei semente de vida.
Faço-o assim, meia louca.
Escrevo a minha historia, começo agora.
A história nega as coisas certas. Há períodos de ordem em que tudo é vil e períodos de desordem em que tudo é alto. As decadências são férteis em virilidade mental; as épocas de força em fraqueza do espírito. Tudo se mistura e se cruza, e não há verdade senão no supô-la.
Tantos nobres ideais caídos entre o estrume, tantas ânsias verdadeiras extraviadas entre o enxurro!
Para mim são iguais, deuses ou homens, na confusão prolixa do destino incerto. Desfilam-me, neste quarto andar incógnito, em sucessões de sonhos, e não são mais para mim do que foram para os que acreditaram neles. Manipansos dos negros de olhos incertos e espantados, deuses-bichos dos selvagens de sertões emaranhados, símbolos figurados de egípcios, claras divindades gregas, hirtos deuses romanos, Mitra senhor do Sol e da emoção, Jesus senhor da consequência e da caridade, critérios vários do mesmo Cristo, santos novos deuses das novas vilas, todos desfilam, todos, na marcha fúnebre (romaria ou enterro) do erro e da ilusão. Marcham todos, e atrás deles marcham, sombras vazias, os sonhos que, por serem sombras no chão, os piores sonhadores julgam que estão assentes sobre a terra — pobres conceitos sem alma nem figura, Liberdade, Humanidade, Felicidade, o Futuro Melhor, a Ciência Social, e arrastam-se na solidão da treva como folhas movidas um pouco para a frente por uma cauda de manto régio que houvesse sido roubado por mendigos.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. 

sábado, 6 de fevereiro de 2010

1

Novinho...
Porque tenho uma ideia, porque me assaltam pensamentos coloridos e decadentes...
Porque trago comigo o peso e a leveza do meu caminho
Porque escrever é deixar-me na escrita que os meus dedos desenham.
Porque tenho um sonho
Por mais ainda